(também aplicável, MUTATIS MUTANDIS, a quem deseja ser tradutor)
Por: LEYLA PERRONE-MOISÉS
Prezadíssimo(a) candidato(a) a escritor(a),
Você me pergunta se seu texto é bom. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-o a periódicos, compara-o com outros textos e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro editor. Pois bem: usando da licença que me deu de aconselhá-lo(a), envio-lhe algumas instruções. Você está preocupado(a) com o valor de seu texto e isso é atualmente incerto. O "bom" ficou muito relativo.
Não há senão um caminho. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morrerá, se não for editado? Desistirá, se jamais ganhar algum prêmio? Isto, acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: "Serei convidado para uma Flip?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquelas perguntas severas por um forte e simples "sim", então construa a sua vida de acordo com aquelas necessidades. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão: seu visual deverá indicá-lo.
Aproxime-se, então, dos meios literários. Participe de bate-papos em livrarias, cafés e bares. Inscreva-se em todas as festas literárias, do Oiapoque ao Chuí. Evite as formas já consagradas, pois dá muito trabalho produzir algo pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que não deve ler os escritores do passado. Em vez disso, faça um curso de escrita criativa, para aprender alguns truques. Esqueça a gramática, ela está em desuso.
Fuja dos motivos gerais para aqueles que sua própria existência cotidiana lhe oferece: relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, suas manias, e sobretudo sua sexualidade. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é suficientemente escritor para extrair suas riquezas. Ambientes pobres, mesquinhos ou mesmo sórdidos podem ser matéria de textos fortes e engajados.
Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre a internet, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de relacionamentos? Pois bem: coloque seu melhor retrato no Facebook, mantenha um blog e não se esqueça de compor textos de até 140 toques para o Twitter.
Se você ainda acredita no livro de papel e nenhuma editora quiser publicá-lo, faça-o você mesmo. Com um bom equipamento, qualquer um, hoje em dia, pode fabricar livros em casa. Quando o livro estiver pronto, envie-o aos jurados dos prêmios com uma dedicatória adulativa. Contrate um agente literário. Se ele for eficiente, você será traduzido para o servo-croata antes mesmo de ser lido em português. Caso nada disso der certo, aceite o destino e carregue-o com o seu peso: assuma-se como escritor(a) maldito(a). Mude então o visual: mais escuro e descabelado.
Mas talvez se dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em seu âmago solitário, você ter de renunciar a ser escritor(a). Mesmo assim, seus esforços não terão sido inúteis. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que eles o(a) levem à fama e a uma boa remuneração, é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.
Com todo o devotamento e toda a simpatia,
Um(a) crítico(a) literário(a)